sábado, 24 de março de 2012

O Selo do Sim

O momento tão esperado havia finalmente chegado. O coração palpitava forte, e o descontrole sobre os reflexos do corpo, traduzidos pelo suor e pela vontade desmedida de chorar, ameaçavam arruinar o grande momento. Mal conseguia manter-me em pé, pois os músculos das pernas pareciam não obedecer ao comando trazido pelos neurônios, que iam e vinham em altíssima velocidade, trafegando com violência pelo meu corpo, totalmente despreparado para suportar tal choque de emoções.

Encontrava forças no olhar penetrante e cheio de brilho daquele lindo e esbelto moço, de postura firme e semblante alegre, que, com uma seriedade singular, flechava sorrisos em minha direção, enquanto caminhava direto para ele, rumo ao altar. Ele me fitava fixamente, e permanecia estático, como se também esperasse ansiosamente por aquele momento. Ele tinha um poder imensurável e quase sobrenatural de me segurar pelo coração, como se cada gesto que fizesse atuasse sobre mim como um grande imã, de atração programada em potência atômica.

Aquela distância que nos separava, da porta da igreja ao altar, parecia maior do que a distância entre os continentes, entre o céu e a terra. A caminhada sobre o tapete verde parecia tão longa que tinha a impressão de que levaria a eternidade inteira para realizar a travessia daquela igrejinha. Na verdade, um turbilhão de coisas borbulhava na minha mente hiperativa, e essa aceleração da cabeça retardava o corpo, que seguia a passos curtos e trêmulos.

Felizmente tinha o apoio do meu amoroso e elegante pai, que me estendia o braço com todo o seu carinho, e dava toda a assistência e suporte necessários para me fazerem prosseguir na jornada. Olhava para frente, e via minha querida e graciosa mãe, que me transmitia um amor incondicional, protetor e completo. Meus irmãos, minha família (e também a nova família que me foi presenteada com os laços do matrimônio), e todos os meus queridos, estavam lá para compartilhar daquele momento de cumplicidade.

Aquele sentimento que pairava no ar, exalado pelas pessoas que ali estavam, me envolvia e separava dessa atmosfera, levando-me a um estado de espírito superior, tomado por graça. Eu estava prestes a apresentar o meu casamento ao Grande Criador do Universo, amoroso e fiel, para pedir a sua santa bênção para a minha vida, ao lado do meu amado.

Aquela distância do altar, e a respectiva proximidade da hora decisiva, definitivamente não me permitiam organizar as idéias com clareza. Queria processar todas as informações ao mesmo tempo, como se minha cabeça fosse o computador mais super potente jamais inventado por Deus. Eu não queria perder nenhum detalhe daqueles segundos, e meu desejo era paralisar o momento para vivê-lo em câmera lenta. Fui tomada por um impulso frenético de olhar ao redor, para contabilizar todas as sutilezas daquele momento. Eu deveria ser a primeira a captar todo e qualquer fato, para em seguida narrá-los às minhas vivas recordações.

Eu queria olhar para as pessoas, ler os lábios de quem sussurrava palavras ao vento, auditar a pureza das flores brancas dispostas ao longo do corredor, e ao mesmo tempo, calcular o ângulo certo de visibilidade do meu buquê, a exata caída do véu sobre os meus ombros, e a feminilidade do ritmo dos meus passos. Mas não conseguia pensar em nada. É como se repentinamente cortassem a energia do meu sistema nervoso, como se restasse apenas um vácuo inaudível e insondável na minha mente. As imagens chegavam até os meus olhos, mas a emoção descontrolada me impedia de entendê-las como gostaria.

Cheguei perto dele, e fechei os olhos. Era ele mesmo, o homem que tanto havia eu esperado, e por quem sonhava acordada todos os dias, com suspiros que buscava lá bem do fundo do pulmão. Senti seu tato suave me envolver e, ao soar de um beijo tímido na minha testa, toda a minha ansiedade esmigalhou-se, e aquela apreensão incontrolável foi espetacularmente domada, cessando por completo. A calma, como aquela de um bebezinho dormindo tranquilamente nos braços de uma mãe amorosa, tomou conta de mim, menina que assumia o papel de mulher.

Sim, chegara o momento do sim. Simples, sincero, singular, singelo, cheio de sincronia e de significado para mim. Encontrava o significado do sim na pura existência daquele homem que me trazia para perto de si, selando nossa união com um beijo carinhoso. Minha alma transbordava todo o seu conteúdo emocional complexo sobre o meu corpo, porque me fazia compreender que aquilo era só um relance da alegria e do amor compartilhados para o resto da vida.

Sabia que aquilo era o início de uma jornada, que certamente traria rosas e espinhos, e que exigiria uma porção de amor combinada a uma dose de compreensão. Entretanto, estou segura de que aquele lindo momento, guardado no coração e nas fotos, não traduz, não só um milésimo em um milhão de anos, a grandiosidade desafiadora do dia-a-dia da minha história de amor, vivida ao lado do meu eterno namorado.

Por caminhos mais altos do que esses

Outro dia, ouvi um sábio religioso repetindo algumas palavras do apóstolo Paulo. Ele disse algo do tipo: “Se a nossa vida se resume a isso, nossa existência não poderia ser mais vã”.

Logo de cara, eu hesitei. Como alguém poderia ter a ousadia de dizer que a vida é vã? Pensei que fosse talvez prepotência, ou algum tipo de justificação à miséria humana.
Sempre acreditei na “vida cor de rosa”, e na sobreposição absoluta da tristeza e de suas derivações sombrias pelo radical positivo. Por mais que os trovões assustem e amedrontem, sempre fui da opinião de que pode existir em nós a vontade de aguardar pelo sol nascente, que reflete aquele dom excelente da força de vontade, que supera tudo e nos faz seguir em frente.

Pensei eu: “a vida não é vã, coisa nenhuma”. De fato, em relação a isso, minha opinião não mudou em nada. Entretanto, pensei na primeira parte da frase daquele sábio homem, ignorada a priori, que estabelecia uma condição. Essa condição abrangia o sentido da vida, algo tão complexo e tão fora de nossa compreensão finita. Então, comecei a ver um pouco mais de significado nas palavras que me martelavam a consciência: “se a vida se resume a isso...”. Isso o quê, afinal?

Ainda não fiz essa experiência, mas bem que gostaria de sair com uma prancheta na rua, entrevistando aleatoriamente o cidadão comum, e pedindo a ele um resumo do estado de coisas do mundo, e do significado da vida, da forma mais ampla possível. Tenho a impressão de que talvez me surpreendesse com as respostas. Onde será que está o coração das pessoas?

- Pensei na questão da saúde e da vitalidade do corpo como valor supremo, mas logo percebi que o corpo é tão frágil quanto um copo de vidro.
Se tivermos sorte, o corpo vai envelhecer. E como diz meu sogro, “a velhice é bruta”, pois traz toda a sorte de problemas para quem a atravessa bravamente.
Mas também não estamos imunes aos percalços da vida na tenra idade. Mesmo na infância ou na juventude, o corpo pode falhar, seja por motivos intrínsecos a ele mesmo (como uma doença, por exemplo), ou por motivos extrínsecos (como um acidente). Portanto, não tendo controle nenhum sobre esses elementos da vida, não podemos pautar nossa existência puramente na vitalidade de um corpo são e perfeito. Isso não é garantia de felicidade.

- Também pensei nos relacionamentos, nas famílias, nas amizades, no companheirismo. As pessoas acreditam nos relacionamentos, e se dedicam a eles, muitas vezes renunciando ao seu próprio eu. Mas não podemos negligenciar o fato de que os relacionamentos humanos indubitavelmente se deterioram. Um dia é paz; o outro é guerra. Um dia, amor; o outro, separação. Basta lembrar-se de algum caso qualquer de separação entre cônjuges, entre irmãos, entre primos, entre amigos. Seja por adversidade, por briga, ou por morte.
Enfim, não podemos pautar a nossa vida exclusivamente e em função de outro alguém, ou de um relacionamento familiar. Simplesmente porque isso pode acabar um dia, e a vida tem que continuar.

- Algumas pessoas se orgulham do poder e da influência que exercem, e assim se sentem importantes, prezando pela vida. Pensam no cargo, na posição social, na ascensão profissional, ou qualquer coisa que o valha. Pois é, isso também não é eterno. Dificilmente vamos sempre estar no topo, porque a vida é uma montanha russa. E das grandes. Temos sim que aproveitar muito os momentos de alta, mas não superestimá-los levianamente, esquecendo-nos da iminência da queda.

- Para outros, o dinheiro é o mais importante, pois pode proporcionar a quem queira, fazer tudo aquilo que deseja. Mentira! Basear a vida no dinheiro é uma enorme futilidade. Para começar, o valor das coisas materiais segue a regra da economia de mercado. Um bem pode valer um tanto hoje, e pode não valer nada amanhã. Era assim na época da inflação, e nada garante o que ainda será dos dias que virão. Além do mais, coisas estão sujeitas às intempéries da vida. Você pode levar anos e mais anos para construir um império de bens materiais, e você pode perdê-lo em apenas alguns segundos, num estralar de dedos, por um mundaréu de motivos. Desastres naturais, roubo, ou qualquer outra coisa. O fato é que não vale a pena depositar a vida no luxo e nas riquezas, que “a traça e o cupim devoram”.

Acredito que a maioria das pessoas pintaria esse quadro da “vida cor de rosa”: saúde para dar e vender, uma família estruturada, bons amigos, um bom trabalho, que proporcione reconhecimento, e muito dinheiro para realizar os sonhos. De fato, parece bom. Mas é suficiente para pautar toda uma existência nesses valores?

Eu pessoalmente acredito que não. O mundo está cheio de tantas injustiças, infortúnios e desgraças. Por mais que hoje nossa vida se enquadre nesses bons padrões ditados pela sociedade, ninguém pode afirmar com 100% de certeza o que serão dos dias de amanhã. Acho que é normal que todos passem por dificuldades, e basta olhar para os lados para ver que a miséria bate à porta. Na verdade, todos podem perder “isso”, que fazia a vida ter algum sentido.

Descobri então que o misterioso “isso” da frase do velho sábio refere-se a tudo que pertence a esse mundo, às coisas que damos valor, e à nossa vã maneira de viver. Vivemos a vida olhando para o próprio umbigo, e pensando em todos os elementos que podem contribuir para o nosso bem estar. Queremos comer bem, dormir bem, ter nossos bens, não tendo ninguém atrapalhando. Não queremos sair da nossa zona de conforto, e preferimos lutar com pouco esforço. Abominamos a vida quando qualquer mal nos acomete, e perguntamos a Deus, por quê? Por isso mesmo é que a nossa existência se torna vã.

Temos que fazer valer a nossa passagem por esse mundo. Temos que enxergar que essa vida é um vapor de água, que se forma e logo desaparece no ar. O que são 70, 80 ou 90 anos comparados à idade do mundo? Somos poeira. Somos vento. Somos uma parte da História que provavelmente será esquecida. Mas, felizmente a vida não se resume só a “isso”, e há uma forma de deixar a maneira vã de viver, para encontrar o sentido da existência.

A tal maneira é justamente entender que não somos deuses, e por isso mesmo dependemos do nosso Criador. Essa vida acaba, e não há jeito de remediar essa verdade.
Entretanto, nos poucos anos que nos são atribuídos, devemos seguir o exemplo do mesmo apóstolo Paulo já citado. Ele disse que “podia tudo naquele que o fortalecia”. Ele não estava só falando de momentos bons, como aqueles que projetamos para a nossa própria vida, mas também de adversidades, como a fome, o frio, o desconforto. Caramba, como aceitar e agradecer por essas coisas?
Quando confiamos em Deus, precisamos condicionar os nossos olhos a verem o plano divino superior, sem ficar perguntando por que os problemas acontecem. Antes, devemos enxergar que a vida é uma dádiva, em qualquer situação.

Deixamos de viver quando nutrimos aquele medo constante de perder aquilo que nos importa: a saúde, o amor, a família, o emprego. Confiar em Deus significa abandonar o medo de perder, para ganhar contentamento, entendimento e a auto-estima, independentemente das circunstâncias, sabendo que o plano de Deus é sempre melhor e mais alto: “os meus caminhos são mais altos do que os seus caminhos, assim como o céu é mais alto do que a terra, diz o Senhor”.