sábado, 24 de março de 2012

Por caminhos mais altos do que esses

Outro dia, ouvi um sábio religioso repetindo algumas palavras do apóstolo Paulo. Ele disse algo do tipo: “Se a nossa vida se resume a isso, nossa existência não poderia ser mais vã”.

Logo de cara, eu hesitei. Como alguém poderia ter a ousadia de dizer que a vida é vã? Pensei que fosse talvez prepotência, ou algum tipo de justificação à miséria humana.
Sempre acreditei na “vida cor de rosa”, e na sobreposição absoluta da tristeza e de suas derivações sombrias pelo radical positivo. Por mais que os trovões assustem e amedrontem, sempre fui da opinião de que pode existir em nós a vontade de aguardar pelo sol nascente, que reflete aquele dom excelente da força de vontade, que supera tudo e nos faz seguir em frente.

Pensei eu: “a vida não é vã, coisa nenhuma”. De fato, em relação a isso, minha opinião não mudou em nada. Entretanto, pensei na primeira parte da frase daquele sábio homem, ignorada a priori, que estabelecia uma condição. Essa condição abrangia o sentido da vida, algo tão complexo e tão fora de nossa compreensão finita. Então, comecei a ver um pouco mais de significado nas palavras que me martelavam a consciência: “se a vida se resume a isso...”. Isso o quê, afinal?

Ainda não fiz essa experiência, mas bem que gostaria de sair com uma prancheta na rua, entrevistando aleatoriamente o cidadão comum, e pedindo a ele um resumo do estado de coisas do mundo, e do significado da vida, da forma mais ampla possível. Tenho a impressão de que talvez me surpreendesse com as respostas. Onde será que está o coração das pessoas?

- Pensei na questão da saúde e da vitalidade do corpo como valor supremo, mas logo percebi que o corpo é tão frágil quanto um copo de vidro.
Se tivermos sorte, o corpo vai envelhecer. E como diz meu sogro, “a velhice é bruta”, pois traz toda a sorte de problemas para quem a atravessa bravamente.
Mas também não estamos imunes aos percalços da vida na tenra idade. Mesmo na infância ou na juventude, o corpo pode falhar, seja por motivos intrínsecos a ele mesmo (como uma doença, por exemplo), ou por motivos extrínsecos (como um acidente). Portanto, não tendo controle nenhum sobre esses elementos da vida, não podemos pautar nossa existência puramente na vitalidade de um corpo são e perfeito. Isso não é garantia de felicidade.

- Também pensei nos relacionamentos, nas famílias, nas amizades, no companheirismo. As pessoas acreditam nos relacionamentos, e se dedicam a eles, muitas vezes renunciando ao seu próprio eu. Mas não podemos negligenciar o fato de que os relacionamentos humanos indubitavelmente se deterioram. Um dia é paz; o outro é guerra. Um dia, amor; o outro, separação. Basta lembrar-se de algum caso qualquer de separação entre cônjuges, entre irmãos, entre primos, entre amigos. Seja por adversidade, por briga, ou por morte.
Enfim, não podemos pautar a nossa vida exclusivamente e em função de outro alguém, ou de um relacionamento familiar. Simplesmente porque isso pode acabar um dia, e a vida tem que continuar.

- Algumas pessoas se orgulham do poder e da influência que exercem, e assim se sentem importantes, prezando pela vida. Pensam no cargo, na posição social, na ascensão profissional, ou qualquer coisa que o valha. Pois é, isso também não é eterno. Dificilmente vamos sempre estar no topo, porque a vida é uma montanha russa. E das grandes. Temos sim que aproveitar muito os momentos de alta, mas não superestimá-los levianamente, esquecendo-nos da iminência da queda.

- Para outros, o dinheiro é o mais importante, pois pode proporcionar a quem queira, fazer tudo aquilo que deseja. Mentira! Basear a vida no dinheiro é uma enorme futilidade. Para começar, o valor das coisas materiais segue a regra da economia de mercado. Um bem pode valer um tanto hoje, e pode não valer nada amanhã. Era assim na época da inflação, e nada garante o que ainda será dos dias que virão. Além do mais, coisas estão sujeitas às intempéries da vida. Você pode levar anos e mais anos para construir um império de bens materiais, e você pode perdê-lo em apenas alguns segundos, num estralar de dedos, por um mundaréu de motivos. Desastres naturais, roubo, ou qualquer outra coisa. O fato é que não vale a pena depositar a vida no luxo e nas riquezas, que “a traça e o cupim devoram”.

Acredito que a maioria das pessoas pintaria esse quadro da “vida cor de rosa”: saúde para dar e vender, uma família estruturada, bons amigos, um bom trabalho, que proporcione reconhecimento, e muito dinheiro para realizar os sonhos. De fato, parece bom. Mas é suficiente para pautar toda uma existência nesses valores?

Eu pessoalmente acredito que não. O mundo está cheio de tantas injustiças, infortúnios e desgraças. Por mais que hoje nossa vida se enquadre nesses bons padrões ditados pela sociedade, ninguém pode afirmar com 100% de certeza o que serão dos dias de amanhã. Acho que é normal que todos passem por dificuldades, e basta olhar para os lados para ver que a miséria bate à porta. Na verdade, todos podem perder “isso”, que fazia a vida ter algum sentido.

Descobri então que o misterioso “isso” da frase do velho sábio refere-se a tudo que pertence a esse mundo, às coisas que damos valor, e à nossa vã maneira de viver. Vivemos a vida olhando para o próprio umbigo, e pensando em todos os elementos que podem contribuir para o nosso bem estar. Queremos comer bem, dormir bem, ter nossos bens, não tendo ninguém atrapalhando. Não queremos sair da nossa zona de conforto, e preferimos lutar com pouco esforço. Abominamos a vida quando qualquer mal nos acomete, e perguntamos a Deus, por quê? Por isso mesmo é que a nossa existência se torna vã.

Temos que fazer valer a nossa passagem por esse mundo. Temos que enxergar que essa vida é um vapor de água, que se forma e logo desaparece no ar. O que são 70, 80 ou 90 anos comparados à idade do mundo? Somos poeira. Somos vento. Somos uma parte da História que provavelmente será esquecida. Mas, felizmente a vida não se resume só a “isso”, e há uma forma de deixar a maneira vã de viver, para encontrar o sentido da existência.

A tal maneira é justamente entender que não somos deuses, e por isso mesmo dependemos do nosso Criador. Essa vida acaba, e não há jeito de remediar essa verdade.
Entretanto, nos poucos anos que nos são atribuídos, devemos seguir o exemplo do mesmo apóstolo Paulo já citado. Ele disse que “podia tudo naquele que o fortalecia”. Ele não estava só falando de momentos bons, como aqueles que projetamos para a nossa própria vida, mas também de adversidades, como a fome, o frio, o desconforto. Caramba, como aceitar e agradecer por essas coisas?
Quando confiamos em Deus, precisamos condicionar os nossos olhos a verem o plano divino superior, sem ficar perguntando por que os problemas acontecem. Antes, devemos enxergar que a vida é uma dádiva, em qualquer situação.

Deixamos de viver quando nutrimos aquele medo constante de perder aquilo que nos importa: a saúde, o amor, a família, o emprego. Confiar em Deus significa abandonar o medo de perder, para ganhar contentamento, entendimento e a auto-estima, independentemente das circunstâncias, sabendo que o plano de Deus é sempre melhor e mais alto: “os meus caminhos são mais altos do que os seus caminhos, assim como o céu é mais alto do que a terra, diz o Senhor”.

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