quarta-feira, 25 de abril de 2012

Brasileirinha

Ela está pedindo por socorro. E o grito chega bem fraco, parecendo mais um sussurro inaudível do que qualquer outra coisa. É como se a privassem do oxigênio que a faz subsistir, e a jogassem numa masmorra qualquer para deixá-la sufocar-se sozinha.

É assim a história da pequena e média empresa brasileira. Nasceu de uma cabeça empreendedora, repleta de mil e uma idéias. Partindo do zero, saiu do papel e encheu os pulmões de ar graças à generosa dose de coragem e ao vigor incansável dos seus idealizadores. Apesar das pedras encontradas no meio do caminho, ela persistiu. Não foi nada fácil, mas ela ainda cresceu magra e desajeitada, sob os holofotes do planejamento nacional zero e do incentivo negativo.

Mesmo assim, ela colocou a comida na mesa de muitos trabalhadores, sustentou a família brasileira, e proporcionou ao cidadão da terra adorada a possibilidade de cultivar os sonhos antes nunca imaginados. Ela também criou valor nacional, em verde e amarelo, e trouxe o desenvolvimento local, acrescentando o seu rico dinheirinho à renda bruta da pátria amada.

Mas a glória virou História, se é que jamais existiu. Foi-se o tempo em que a empresa brasileira ainda tinha o fôlego necessário para lutar na batalha do capitalismo selvagem. Ela conheceu um mundo cão, onde a única regra era ganhar dinheiro, e foi desafiada a dar um passo maior do que as pernas.

Então, dadas as condições de mercado, como poderia ela subsistir?

Assistimos a uma enorme abertura econômica que permitiu a entrada de capital estrangeiro no país. Essas empresas multinacionais trouxeram consigo um diferencial competitivo em termos de tecnologia, que golpeou baixo a pequena e média empresa nacional, ainda imatura. Já a gigante concorrência de além-fronteiras trouxe um know how superior em mil anos-luz, resultante de capital investido em pesquisa, além de subsídios dos governos estrangeiros em alguns casos.

Já a pequena e média empresa brasileira foi obrigada a pagar impostos estratosféricos, sob pena de multas milionárias. È como aquela figura do homem pobre que sai com algumas moedas para comprar um pãozinho, e acaba roubado no caminho até a padaria: ele não vê a cor das moedas, e muito menos saboreia o pãozinho. É assim que acontece com a brasileirinha: além de não dar lucro, ainda sai com prejuízo, e nenhum incentivo. Se ela conseguiu manter-se em dia com suas obrigações fiscais, foi sim uma grande vitoriosa dessa guerra cabal.

Ela ainda teve que seguir rigorosamente uma burocracia ultrapassada e foi coagida a submeter-se a leis de automutilação. Nossa cara legislação trabalhista nada fez além de encarecer a mão de obra, a ponto de tornar os produtos nacionais não competitivos. A empresa pagou participação nos lucros sem ter tido lucro algum, por pressão de um sindicato que não entendeu que prejudicava a si mesmo. Resultado: ela mesma consumiu canibalmente o capital que poderia ter sido reinvestido em seu benefício...

Os juros também não a ajudaram em nada. Se beneficiaram alguém, esse alguém se chama Especulação. Se ela precisou de capital emprestado para manter a estabilidade de seus sinais vitais, investindo em produção, ela simplesmente se amarrou a uma teia de aranha. Com juros altos, ela não conseguiu honrar seus compromissos financeiros, e foi caminhando lentamente rumo ao calvário.

Tudo contribuiu para isso mesmo. O universo conspirou contra ela. Raquítica, ela falhou em manter uma estrutura de custos bem administrada, que fosse suportada pelo seu modesto faturamento. Para lutar contra os gigantes, ela precisou comprar a munição, e a munição custou caro. Ela não conseguiu se equipar o suficiente para enfrentar a concorrência, mas certamente se endividou para isso. Nadou, nadou, e morreu na praia.

Dizia a antiga lenda que as bruxas precisavam morrer. Como não se sabia quem era (ou não) bruxa, fazia-se o teste: as mulheres eram amarradas a um tronco grosso de árvore para serem jogadas ao rio. Caso conseguissem se soltar, as mulheres eram definitivamente consideradas bruxas, e aí sim eram mortas. Mas e as outras inocentes que morreram afogadas ao tronco? Pois é, a brasileirinha foi a protagonista central da caça às bruxas da novela tupiniquim. Foi insultada de bruxa, e ainda afogou-se amarrada ao tronco.

Contemplando esse estado de coisas, de que valem manobras com o IPI? De que valem políticas econômicas tardias de incentivo à empresa brasileira? As nossas empresas já morreram mesmo, ou estão no máximo num estado de moribundo acamado. Viramos marionetes nas mãos do fisco, do banco, dos concorrentes. Estamos com problemas, e parece que ninguém se importa. Se o preço dela não é competitivo, que seja logo riscada do mapa. Ou, se ela está endividada, que seja punida no pau de arara. E se ela precisa de uma “forcinha”, qual bolso vai pagar por isso? Bota capitalismo selvagem nessa cumbuca, e chacoalha para ver quem sai ileso. O mundo é dos mais fortes, não é? Não funciona assim a tal da lei da seleção natural?

A pequena e média empresa brasileira pagou um alto preço para subsistir. Se quisermos vê-la renascer, precisamos dar a ela uma segunda chance. Precisamos de incentivos mais efetivos, como a anistia de dívidas impagáveis com o fisco, a redução imediata de impostos, a concretização de melhores taxas de juros para os menores, a “ajudinha” em promoção de marketing e divulgação, entre um milhão de coisas que a FIESP ou outras instituições poderiam bem explicitar em detalhes. O fato é que precisamos urgentemente promover o nosso desenvolvimento, dando à brasileirinha um belo e generoso prato de feijoada para que recupere as suas forças.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Amanhã

Temos uma enorme apreciação pelas primeiras coisas. Na verdade, o primeiro sempre acaba se tornando referência para o segundo, o terceiro, o quarto e para os sem número acontecimentos frente aos quais nos deparamos em ordem sucessiva na vida. Nada é mais emocionante do que o primeiro dia na escola, o primeiro beijo, o primeiro salário, o primeiro carro, os primeiros passos de um filho.

Entretanto, inversamente proporcional à emoção do primeiro, está a agonia do último. Temos arrepios quando pensamos na hipótese das últimas coisas, justamente porque elas nos remetem à proximidade do fim. Pensar no fim da linha é uma coisa mórbida, desconfortável, e praticamente proibida, mas que necessariamente nos faz refletir.

Duvido que alguém nunca tenha ouvido ecoar a famosa pergunta: “O que você faria se soubesse que amanhã será o seu último dia?”. Felizmente, respondemos a pergunta tratando-a como hipótese não confirmada, já que temos a graça de não conhecer o que de nós será contado. Mas, e se soubéssemos realmente? E se o fim fosse amanhã, na próxima semana, mês ou ano? O que faríamos diferente?

As respostas normalmente são as mais esdrúxulas possíveis. É como se tivéssemos a oportunidade de nos tornarmos outra pessoa, completamente oposta a quem somos verdadeiramente no íntimo. Nessa hipótese, o mais conservador dos homens torna-se destemido, e a rotina passa a ser o mais sufocante de todos os monstros. Tudo o que nunca foi realizado passa a ser prioritário: pular de pára-quedas, viajar ao outro lado do mundo, nadar com os golfinhos, conhecer um safári, comer um prato inusitado, satisfazer todas as perguntas não respondidas, buscar explicação para todos os “serás?”, quebrar os tabus, fazer aquela loucura que sempre inspirou curiosidade, e dizer o que nunca foi dito, para quem nunca foi dito, em termos que nunca foram ditos...

Na verdade, essa caixinha de desejos nada faz além de mostrar uma fragilidade enorme do ser humano: a de ser incompleto. O homem quer conhecer todos os gostos, todas as sensações, todas as faces da vida, justamente para preencher todos os vácuos que tem dentro de si. E por isso, busca incessantemente pela tão preciosa PLENITUDE.

Mas ele esquece que, ao buscar a plenitude, está lutando contra a sua própria natureza mortal. A onisciência, ou seja, o saber todas as coisas, não é um atributo que o homem possui, nem nunca possuirá. Já dizia o velho filósofo que “quanto mais sabemos, mais sabemos que nada sabemos”. E menos sabemos porque entendemos que a perspectiva das coisas é muito maior do que aquela que conseguimos perceber, simplesmente porque é infinita, ou plena, completa. E nós, na total contraposição da plenitude, somos incompletos e imperfeitos.

Infelizmente, as notícias não são animadoras: nada que o mundo possa oferecer pode completar essa lacuna do coração humano. Absolutamente nada. Nem aventuras, nem novas sensações.

Entretanto, a boa notícia é que esse espaço vazio pode ser ocupado pela PLENITUDE DIVINA. Isso acontece quando sabemos que somos cuidados por Deus, e temos a certeza de que Ele olha por nós. Dessa forma, aprendemos a ver a plenitude nas pequenas coisas, que Ele nos permite fazer ao lado das pessoas que amamos.

Não estou dizendo que devemos desistir dos sonhos malucos que guardamos no coração. Mas a primeira coisa a fazer é saber se realmente essas coisas malucas fazem parte do nosso “eu”. Por que muitas vezes queremos coisas que não têm absolutamente nada a ver com a nossa personalidade?
Precisamos nos convencer de que a plenitude verdadeira faz par perfeito com os nossos traços, características e sentimentos, já que os verdadeiros sonhos não podem negar as nossas convicções, ou anular nossos princípios. Antes, eles devem incentivá-los e reforçá-los de forma segura e harmoniosa.
Além do mais, por que esperar até o fim para realizá-los? Eles devem ser perseguidos em todo momento, e não somente quando se conhece a proximidade do fim. Afinal, seria um grande erro encarar os “últimos desejos” como um remédio que tardou a chegar, ou um mero escapamento para aliviar as insuportáveis pressões vividas até então.

A plenitude mora no nosso próprio coração, e depende de nós deixar com que ela se aflore. A plenitude, ou a falta dela, depende inteiramente da forma com que coisas são encaradas, e está relacionada à maneira com que lidamos com as situações. Seremos completos quando soubermos que temos a vida que Deus nos deu, da forma que ela é, nua e crua, com as condições que temos, nos moldes simples em que vivemos. Nada mais, nada menos. Por isso, a rotina não deve ser um monstro sufocante, mas a maior das graças divinas.

Se alguém perguntar: “O que você faria se soubesse que amanhã será o seu último dia?”, eu provavelmente responderia que faria as coisas exatamente da mesma forma que sempre fiz, pois estou segura de quem sou, e sei em Quem deposito minha confiança. E conjecturas à parte, Ele sim é o Senhor do Amanhã.

O modus operandi das coisas

Como somos animais racionais, estamos acostumados a pensar os fatos da vida de forma lógica, e temos a tendência de abrigar nossas premissas e convicções sob o “guarda-chuva da razão”. Buscamos sempre explicações matematicamente corretas e cientificamente prováveis. Defendemos correlações precisas de causa e consequência. Fundamos nosso raciocínio em fatos, observando o passado e fazendo projeções, que mais parecem palpites, sobre o que o futuro trará.

Na verdade, nosso cérebro foi TREINADO para entender e processar os acontecimentos de forma que nos seja sempre possível prever o que vai acontecer, como se isso fosse nos livrar de qualquer imprevisto.
Por exemplo, se está trovejando, já processamos internamente a informação lógica que indica a chegada da chuva. Preparamos nossa capa de chuva, desligamos os equipamentos elétricos de forma a evitar que qualquer acidente ocorra. Se pensarmos diferentemente, é porque tem alguma coisa errada. Na verdade, tudo aquilo que foge da lógica racional soa estranho, incoerente, insensato.

Na maioria das vezes, nossa forma de encarar a seqüência dos fatos da vida - o modus operandi das coisas - se encaixa perfeitamente nessa lógica racional. Aconteceu isso, posso esperar aquilo. Fiz assim, vou receber assado. Cometi um erro no trabalho, vou ser despedida pelo chefe. Fui acometida por uma doença, vou procurar tratamento. Nasci numa família pobre, nunca vou conseguir um emprego interessante. Tenho muito dinheiro, não vou precisar da ajuda de ninguém. Esse é o corolário inquestionável dos fatos.
Aaah, ledo engano! Se a vida pudesse ser calculada com fórmulas exatas, tudo seria muito mais fácil. Mas, todos sabem, as coisas não funcionam dessa forma. Alguns elementos sobrenaturais nos circundam, e por vezes, mudam totalmente nosso rumo.

Estava estudando a história do grande rei Davi, e tirei uma lição muito importante para a minha vida. Em sua infância, o pequeno Davi não passava de um mero pastorzinho de ovelhas. O trabalho dele era cuidar de cada um de seus animais, evitando que se perdessem ou machucassem. Nada de muito complicado. Ele era um anônimo, conhecido de ninguém, e esquecido até pelo próprio pai, que tardou em lembrar-se dele.

Apesar dos pesares, o que aconteceu com Davi? De fato, a “lógica” da vida dele não apontava para um grande futuro. Quem olhasse para a bússola do pequeno Davi, certamente não veria a seta marcando “Norte”. Quem o visse, não diria que seu destino seria repleto de glórias e honras, e que se tornaria rei de toda uma nação. Mas, foi exatamente isso que aconteceu: para a surpresa de todos, ele tornou-se um grande rei.

E, por mais estranho que possa parecer, isso não aconteceu por decreto, de maneira automática. Não! Pelo contrário, as coisas foram acontecendo aos poucos. Deus foi abrindo os caminhos daquele pastorzinho de maneira gradual. Quando entrou no reino de Saul, seu predecessor, não foi vestido com roupas reais. Entrou na condição de músico, cantando e tocando seu instrumento humildemente. Demorou até que Davi finalmente se tornasse rei...

Na vida, as coisas não são lógicas, nem automáticas. Eu acredito que a lógica da vida funciona muito mais na base das “casualidades” ou “coincidências” - para quem assim classificar esses fenômenos incomuns - do que na base das certezas humanas. Eu prefiro chamá-los de “mão divina”.

Se formos analisar a história de Davi, ele apenas conheceu o rei Saul por causa de um elemento totalmente inesperado: a música. A seqüência de títulos “Pastor de Ovelhas”, para “Músico”, e em seguida “Rei”, não me parece seguir qualquer tipo de lógica de crescimento profissional. Não acho que Davi tenha cadastrado seu currículo num banco de dados da Internet, ou se aconselhado com um consultor especializado em Recursos Humanos. Davi também não foi obrigado a participar de um processo seletivo concorridíssimo, como são os das empresas multinacionais ou das faculdades de prestígio, para obter reconhecimento de sua qualificação. Não! Deus simplesmente moveu as pecinhas, de forma bastante branda, até que a obra na vida daquele João-ninguém se concretizou.

A grande lição que tiro dessa história é que as grandes mudanças da vida não são fruto de “grandes transformações”. Não são grandes experiências, grandes viagens, grandes oportunidades de emprego, novos relacionamentos, que realmente mudam a nossa vida. Não que coisas desse tipo não sejam importantes; sim, são. Mas essa não é a regra, e sim a exceção.

A GRANDE mudança acontece no coração, nos hábitos, nas atitudes, no dia-a-dia, no corriqueiro, e, sobretudo, no longo prazo. Ela é fruto de uma vida com Deus. Uma vez vivendo na dependência dEle, as outras mudanças da vida acontecem nas pequenas curvas, nos detalhes, nas minúcias. A gente nem dá valor e nem percebe que elas estão se realizando aos poucos. A gente só percebe depois de muito tempo, quando olhamos para trás.

Isso virou premissa na minha vida: grandes oportunidades aparecem em uma conversa informal, em um comentário, em algo aparentemente sem importância. A gente descobre coisas importantes falando com aquele amigo de todos os dias, com aquele vizinho meio chato, com o comerciante da esquina. É normalmente por aí que Deus move os seus palitinhos. Deus abre os caminhos sem que a gente perceba. Foi assim que aconteceu com Davi e é assim que acontece também na nossa vida.

Por isso, é importante parar de ficar esperando por grandes mudanças matematicamente calculadas, ou apostando todas as fichas numa loteria que nunca será ganha. Loterias são miragens, e miragens não devem fazer parte da nossa vida. Para buscar mudanças e oportunidades, é mais fácil viver o hoje como fazem os japoneses, no passo a passo, no “kaizen”, que é a melhoria contínua. Isso significa que podemos nos aperfeiçoar com pequenas ações. Assim como nos ensina Davi, pequenas ações todos os dias nos levam a mudar o rumo de nossa história, e quando olharmos para trás... quem diria, hein? Derrotamos gigantes.

Tenho certeza que Davi, na sua infância, jamais imaginaria que se tornaria rei. Na sua velhice, ele deve ter olhado para trás, e visto o quão importante foram as curvas, os tropeços, os detalhes e o dia-a-dia da longa trajetória que o consagrou!